- Por que, Mr. Anderson? Por que você faz isso? Por que levanta? Por que continuar lutando? Você acredita que está lutando por alguma coisa? Enquanto ainda sobrevive? Você pode me dizer o que é? Você ao menos sabe? Pela liberdade? Ou pela verdade? Paz, talvez? Sim? Não? Poderia ser por amor? Ilusões, Mr. Anderson. Estranhas percepções. Construções elaboradas pela débil mente humana tentando desesperadamente justificar uma existência sem significado ou finalidade. Isso tudo é tão artificial quanto a própria Matrix, embora só a mente humana seja capaz de inventar algo tão insípido como o amor. Você não pode negar, Mr. Anderson. Você precisa ver isso. Você não pode vencer. É inútil continuar. Por que, Mr. Anderson? Por que? Por que você persiste?
É com esse diálogo da luta final entre Neo VS. Smith do terceiro filme da trilogia Matrix que começo mais um texto. Mas antes de abordar a fala acima em si, vamos analisar rapidamente a trilogia.
A trilogia, como todo mundo já está careca de saber, fala da manipulação do sistema global e de como as pessoas não tem o senso crítico, não conseguem analisar, pensar, exercer algum tipo de reação relevante em relação a esse sistema falido. Os filmes dos irmãos Wachowski sem dúvida nos fazem pensar um pouco a respeito disso. Não vou aqui fazer um texto analisando o contexto sociológico do filme, até por que a “dona net” já está saturada de artigos como esse.
Uma das coisas que me chamou atenção no filme foi uma dúvida do nosso herói, o Neo: destino ou livre escolha?
O nosso herói, ao ser questionado por Morpheus se acreditava em destino, reponde negativamente, justificando que gosta de pensar que a vida é dele e por isso o controle está em suas mãos. Mas, vemos no decorrer da trilogia que Neo parece ser pré-destinado a tal objetivo que é o de ser o salvador da raça humana. O que se confirma na conversa de Neo com o Arquiteto (o criador da Matrix). O Arquiteto expõe que já houve outros cinco “escolhidos” como o Neo, e que na verdade ele também faz parte de um sistema pré-estabelecido. Até aí se confirma o sentido de destino. O Arquiteto apresenta duas opções a Neo: ver Zion (a última cidade dos humanos fora da Matrix) ser destruída, perdendo todo mundo que ele ama, e ao mesmo tempo a possibilidade de “reconstruir” a raça humana; ou voltar à Matrix e tentar salvar Trinity, a sua amada, tendo por conseqüência a extinção da raça humana. Como Neo, endossado pelo Arquiteto, afirma: o problema é a escolha. As cinco anomalias antecessoras à Neo optaram pela destruição de Zion e a reconstrução da raça humana. Porém nosso herói, motivado pelo amor, surpreende o Arquiteto escolhendo a porta que traz a possibilidade de salvar a sua amada. Nesse ponto do filme quebra-se a idéia de destino. O esperado pelo arquiteto era que Neo optasse, assim como seus antecessores, pela reconstrução da raça humana. Neo, porém, decidiu salvar sua amada. Uma decisão egoísta da parte do nosso herói?! Aparentemente sim.
Quando ele optou por salvar Trinity eu pensei “e a humanidade?!”. Mas como nosso herói já enfatizara, o problema é a escolha. As outras cinco “versões” do Neo - penso eu - não tiveram motivação suficiente para optar pela escolha além daquela da reconstrução da humanidade. Baseado em que eu afirmo isso? No momento em que o Arquiteto apresenta as opções à Neo, ele dá um toque na sua “caneta mágica” e consegue ver todas as reações do nosso herói. Mas como o Arquiteto mesmo afirma a reação de Neo foi menos genérica que a dos outros cinco. Neo parecia ter mais motivos para se livrar de um sistema pré-estabelecido. Mais motivos ou um motivo a mais?! Acredito que um motivo a mais: o amor. Mas a questão aqui não é o amor (pelo menos não por enquanto) e sim o dilema livre escolha ou destino; logo Neo surpreende até o criador da Matrix escolhendo salvar Trinity, quebrando a idéia de destino que o filme apresentara até o momento, tomando controle da sua vida. Porém toda escolha tem suas conseqüências. E o nosso herói sabia disso, ele sabia que a raça humana entraria em extinção e mais uma vez ele escolhe fazer algo e continuar lutando para achar alguma alternativa para pôr fim à guerra.
Mas o que o motiva a continuar lutando pela humanidade já que a sua amada já está a salvo? É aqui que entra a fala (citada no início do texto) do ex-agente Smith; e a resposta está na própria fala desse coadjuvante. Reparem que para todas as outras opções ele faz interrogações; mas apenas na opção do amor ele afirma, tentando negá-lo - “... embora só a mente humana seja capaz de criar algo tão insípido quanto o amor.”. O que motivou Neo a continuar escolhendo pela salvação da humanidade foi o amor por quem ele admirava, o prazer de estar ao lado de pessoas que o fizeram crescer, que o libertaram, que o tiraram do sistema pré-estabelecido, de um sistema onde os humanos não pensam, não criticam, são passíveis, são conformados, resumindo, da Matrix. Essa era a maior motivação do nosso herói.
Ele deixou de ser controlado pelo sistema (algo que até então nem seus companheiros ‘escolhidos’ tinham conseguido), não obedeceu ao destino dele; todavia ele controlou a própria vida, salvou a raça humana e nos levou a refletir sobre várias coisas.